Sérgio Abranches
Desde a eleição de Evo Morales e sua política de nacionalizações, o risco Bolívia só aumenta e o Brasil só perde com ele.
Mas as análises do governo, da Petrobrás e das empresas privadas brasileiras que atuam na Bolívia continuam errando, subestimando o risco e vendo oportunidades onde elas não existem.
Agora, começam os riscos gerados pela polarização ideológica provocada por Morales. As ameaças de separatismo, de lideranças também radicalizadas, da Amazônia boliviana – região de Santa Cruz – ligadas ao movimento Nação Camba, elevam esse risco em duas dimensões.
De um lado, aumentam a instabilidade política interna, podendo mergulhar o país em uma nova onda de governos precários e violência política crescente.
De outro lado, a possibilidade de confronto armado, caso Morales não garanta um plebiscito imparcial para decidir o pleito separatista, com desdobramentos muito preocupantes. Há notícias de que o movimento pode mobilizar cerca de 15 a 20 mil efetivos armados, muito provavelmente com apoio externo. Há sinais de relacionamento com os “paras” da Colômbia. Esse risco de confronto armado tem dois desdobramentos graves: de um lado, a possibilidade de intervenção das forças armadas venezuelanas no conflito. Chávez investe pesado no aparelhamento e armamento dos militares de seu país e, provavelmente, veria como uma oportunidade ímpar para dar uma demonstração de sua força.
Isso sem falar no efeito positivo que teria entre os militares, cujo apoio é parte essencial do sistema de poder do presidente venezuelano. De outro lado, a ampliação da rede paramilitar de direita na América do Sul, aumentando o risco nas fronteiras brasileiras e a ameaça de expansão das conexões entre essas redes paramilitares e as redes de narcotráfico e contrabando de armas.
O risco é muito elevado e a possibilidade de ruptura da ordem alta, por causa do nível de radicalização. Esse conflito não surgiu de repente. Em toda a América andina as tensões e clivagens entre o “altiplano” ou a “serra” e o “litoral” ou a “parte baixa”, têm se agravado. Essa clivagem tem base econômica e um substrato étnico também. No Equador, por exemplo, a “serra” é a região de maior concentração indígena e mais pobre, onde estão os principais redutos de apoio ao presidente Rafael Correa. A “costa” é onde estão as áreas mais urbanizadas e ricas do país, como Guayaquil, onde domina a população branca, de origem européia e o apoio a Correa é menor – mas não desprezível – e mais condicional.
Na Bolívia, o “altiplano” é indígena e a região baixa é a faixa amazônica, de Santa Cruz, onde dominam os brancos, de origem européia, e é a parte mais rica do país, de maior tamanho territorial e de menor pobreza. As elites amazônicas se sentem ameaçadas pelas tendências “bolivarianas” de Morales. Nela estão os segmentos que apóiam o Nación Camba e que são considerados pelo governo, pelas esquerdas bolivianas e pelos movimentos sociais, como “oligarcas racistas”, ligados a interesses estrangeiros. Essa polarização radicalizada tem todos os elementos para levar a uma ruptura com violência.
Setores do governo brasileiro consideram que essa divisão poderia ser benéfica no relacionamento entre Brasil e Bolívia e poderia levar Evo Morales a rever suas posições com relação ao gás, à Petrobrás e outras empresas brasileiras. É uma avaliação que não resiste à mais elementar análise de risco. Primeiro, porque certamente, se Evo Morales se sentir ameaçado e enfraquecido pela ameaça Camba, seu movimento não será de buscar apoio no Brasil e em Lula, mas certamente na Venezuela e em Chávez. Chávez, por sua vez, tem todo interesse em fortalecer as duas pontas do “triângulo bolivariano” que está formando com Bolívia e Equador e que são muito mais fracas que o vértice venezuelano.
É crucial para suas pretensões “bolivarianas”, de expansão pela América do Sul de base indígena, que o colocam em conflito direto com a Colômbia de Uribe e com o Peru, de Alan Garcia. Uribe faz um governo bem sucedido, com inclinações à direita e estreitas ligações com o governo do EUA. É o antípoda de Chávez na América do Sul. Garcia está dando seqüência ao trabalho de seu antecessor, que repôs o país na rota do crescimento e pode levá-lo a obter o investment grade antes do Brasil. Chávez também está em contrariedade com o Uruguai, de Tabaré Vasquez, que apensar de oriundo da esquerda, não tem se deixado seduzir pelas promessas do bolivarianismo.
O preço demandado por Chávez para colocar o poder econômico do petróleo venezuelano e sua força militar em apoio ao “triângulo” é o alinhamento político-econômico. Tem dito que Morales ainda não abandonou inteiramente o projeto econômico neoliberal. Para Morales, de olho na sua base, pode parecer menos do que ceder ao Brasil na frente do gás.
Até agora o governo brasileiro ainda não entendeu que, para as massas pobres da Bolívia, a Petrobrás faz parte dos interesses estrangeiros – e imperialistas – que impedem que a riqueza mineral do país fique com os bolivianos.
A conclusão é que o risco Bolívia é muito alto, em três dimensões críticas: primeira, em relação à possibilidade de danos aos interesses econômicos brasileiros, seja através da Petrobrás, seja afetando outras empresas brasileiras na região, seja, ainda, inviabilizando o fornecimento de gás ao país.
Segunda, risco militar, podendo criar áreas de confronto armado e de controle paramilitar na fronteira amazônica da Bolívia com o Brasil. O confronto “Cambas”- Morales, se chegar à via armada, pode, também, provocar a intervenção militar venezuelana em território boliviano, criando uma situação estratégica ainda mais delicada para o Brasil na sua fronteira amazônica.
Terceira, risco de expansão das redes clandestinas, com conexões crescentes entre paramilitares, narcotraficantes e comércio de armas.
Publicado em 30/04/2007.
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